Entendendo a cultura organizacional

sábado, 24 de outubro de 2009

Estudar a cultura organizacional possibilita uma atuação mais estratégica para a obtenção dos resultados almejados. Mas o que é cultura e quanto ela pode revelar dos significados criados e as interações entre os colaboradores de uma organização, incluindo as igrejas? Quais suas implicações para o desempenho e as mudanças de comportamento?

A seguir reproduzimos entrevista publicada no www.institutojetro.com com a comunicóloga Marlene Marchiori, graduada em Administração e em Comunicação Social - Relações Públicas, Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-doutora em Comunicação Organizacional pela Purdue University, dos Estados Unidos. Marchiori é professora-associada de graduação e de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná e professora-convidada da ABERJE. Autora do livro Cultura e comunicação organizacional: um olhar estratégico sobre a organização. Presta consultoria nas áreas de cultura, estratégia e comunicação organizacional.

O que é cultura organizacional e como ela se forma?

Marlene: Ao analisarmos o conceito de cultura organizacional devemos priorizar duas definições: a cultura em si e a organização. A partir daí, podemos compreender culturas nas organizações como um fenômeno que vem sendo estudado e observado. Em 1951, o termo ‘cultura’ foi tido como uma variável interna, no âmbito da organização. Na década de 80 os estudos organizacionais desenvolveram-se sendo a cultura vista como produto e processo continuamente criado por pessoas em processos de interação. No campo profissional, as obras que surgiram na mesma época nos Estados Unidos sugeriram o entendimento da cultura ligado a performance das organizações, ou seja, o discurso marcante: desempenho das organizações sob uma visão direcionada ao gerenciamento da cultura. Particularmente minha reflexão sobre cultura organizacional se dá na relação com a comunicação, entendendo que cultura é criação de significados e que a comunicação, por meio da relação e da interação entre pessoas, ao gerar sentido para as ações, possibilita a negociação e a criação de significados, contribuindo para o processo de formação das culturas em uma organização.

Falar em culturas significa observar o contexto, implícito e emergente em uma organização, por exemplo, uma igreja. A cultura se constrói no dia-a-dia de uma organização, por meio dos diferentes grupos, sendo fundamental observar sua diversidade nas organizações da contemporaneidade. Ou seja, não existe uma única cultura, mas diferentes culturas que convivem e se respeitam, e fazem sentido para o determinado grupo de pessoas que dela participa. A cultura reflete a essência de uma organização, podendo ser interpretada pelos seus processos, sistemas, comportamentos, os quais são construídos através do tempo. Entendo e defino a cultura em uma organização como sendo essencialmente um fenômeno interativo a partir do momento em que os grupos observam e interagem com o mundo ao seu redor. Por meio deste processo, as pessoas podem simbolizar e atribuir significados a eventos e objetos. Cultura é um sistema de concepções expressas herdadas em formas simbólicas por meio das quais o homem comunica, perpetua, e desenvolve seu conhecimento sobre atitudes para a vida.

Quanto a cultura organizacional afeta o desempenho dos colaboradores ou voluntários?

Marlene: Há três maneiras de se observar a cultura nas organizações. 1) Integrada: vista como homogeneidade, consenso em valores e transparência. 2) Diferenciada: destaca as subculturas (conflito ou coexistência). Característica predominante: multiplicidade de culturas.3) Fragmentada: ambigüidade organizacional (ironias e paradoxos), mudanças constantes, relações complexas. A análise recai nas relações de interesse e consensos transitórios, dependendo da situação vivenciada pela empresa, o entendimento e a prática de cada uma destas perspectivas. Por exemplo, uma organização que não dá voz para as pessoas, é bem provável a existência de um nível de frustração. Mas vamos supor que esta realidade de comando, tem sentido para aquela organização, as pessoas vivenciam naturalmente essa realidade e sentem-se bem, não há como contrapor. Venho referenciando a comunicação como um processo abrangente e formativo, que oportuniza maior desenvolvimento nas organizações, que acresce capacidade nas pessoas, que estimula o conhecimento e que modifica estruturas e comportamentos. A perspectiva da comunicação como processo é uma postura que permite as pessoas explorarem suas potencialidades e desafiarem-se como seres humanos. As “organizações são constituídas comunicativamente”. Todos os artefatos humanos, textos, ações comunicativas e comportamento possuem significado não em razão daquilo que eles são, mas principalmente em decorrência do que eles significam, sendo que a capacidade para a compreensão das expressões da vida tem suporte no ser humano e não no método ou na objetividade. Para este entendimento é fundamental incorporar a história, o contexto, as práticas sociais e respectivas expressões. Portanto, torna-se imprescindível entender que a comunicação não mais reflete uma realidade, pelo contrário é “formativa” no sentido de criar e representar o processo de organizar.

Como mudar ou renovar crenças, valores e atitudes que as pessoas consolidam ao longo de muitos anos? E como fazer isso de forma que se consiga mudança de comportamento?


Marlene: Pessoas dão sentido ao mundo em que vivem. Pessoas atribuem significados para as experiências organizacionais. A renovação é um processo de conscientização para a necessidade de mudar, ou seja, aquela atitude não faz mais sentido na organização, não tem significado para as pessoas, não mobiliza as pessoas para um novo estágio de desenvolvimento e a partir daí, há a consciência natural para a necessidade de mudar. Cultura é aperfeiçoamento, enriquecimento do homem. Comunicação é construção de significado e inter-relação. Se entendermos as organizações e as igrejas como locais de geração de conhecimento, de desafios, poderemos mais facilmente olhar para as questões que deixam de ter valor e que precisam de novos significados, modificando os pensamentos que não mais contribuem para um determinado direcionamento que a organização definia como válido para ela, ou seja, as pessoas que devem definir estes direcionamentos e ser conscientes dos processos de mudança.

Mudar as pessoas ou mudar de pessoas? Como escolher o melhor caminho a seguir?

Marlene: O melhor caminho é aquele que faz sentido para aquela realidade organizacional. Nas organizações de qualquer tipo, não há fórmulas para seu desenvolvimento. Cada situação é única e o fundamental é conversar com as pessoas para se definir o melhor caminho a seguir. Quando se constrói coletivamente a responsabilidade, o envolvimento, o comprometimento são processos naturais que estimulam o crescimento das pessoas tanto no campo pessoal quanto profissional. Vemos hoje a necessidade dos gestores mais próximos de suas equipes, esta relação vem se fortalecendo e possibilitando o desenvolvimento de novas teorias, por exemplo, a liderança transformacional, a preocupação com a comunicação interna. As organizações não trabalham mais exclusivamente a relação diretoria /funcionários, mas desenvolvem novas reflexões sobre o valor da comunicação nas relações entre gestores e funcionários.Todo processo de planejamento estratégico traz impactos e demandas de mudança na cultura organizacional.

Que ações seriam possíveis para alinhar a cultura com as decisões estratégicas?

Marlene: Há diferentes abordagens para se desvendar a cultura de uma organização. Cada organização é única e estudos devem ser desenvolvidos para interpretação de uma realidade. Infelizmente não há receitas, maneiras de se fazer. Há sim, trabalhos que demandam tempo em desvendar a realidade construída pelas pessoas, as quais no mundo contemporâneo precisam de atitudes que gerem sentido, que as mobilizem como verdadeiros seres humanos. O pensamento estratégico é algo que se constrói junto às pessoas que fazem parte daquele contexto e não de forma isolada e em salas fechadas, sem considerar a opinião das pessoas que vivenciam inclusive o cotidiano da organização. Hoje, neste campo, fala-se em estratégia como prática, que é justamente o olhar sobre as micro-atividades desempenhadas pelas pessoas no processo de pensar e refletir sobre os caminhos para a organização da contemporaneidade. A relação entre estratégia e cultura é de construção, de vivenciar esta nova realidade muito mais na prática, no cotidiano do que em comportamentos e pensamentos isolados. A partir daí entendemos que cultura e estratégia são processos de desenvolvimento da própria organização, e, portanto, são naturalmente alinhados, pensados e repensados.

Que ações podem ser feitas para manter um alto nível de motivação e evitar desapontamentos em meio a um processo intencional de mudança organizacional?

Marlene: Veja que não há regras nas concepções teóricas que venho comentando nesta entrevista. A questão está justamente no equilíbrio dos discursos organizacionais e das ações, não adianta falar algo e agir completamente diferente da fala, da filosofia. É preciso entender a organização como um coletivo, onde as pessoas se mobilizam, se organizam, e chegam inclusive ao desenvolvimento da auto-organização. Há autores que vem explorando a auto-organização como um fenômeno comunicacional, ponderando-se sobre as organizações se auto-organizarem como resultado da dinâmica da interação local. Portanto, ao construir coletivamente, as próprias pessoas desejam e vivenciam os processos de mudança, sendo conscientes e membros participativos dos estágios de desenvolvimento. Igrejas são ambientes que reúnem voluntários, funcionários e membros.

Que conselhos você daria a pastores e líderes de igrejas que se deparam com o desafio da mudança, mas tem que lidar com públicos tão diferentes?

Marlene: Entender, perceber e conhecer os diferentes públicos e trabalhar com discursos apropriados a cada uma das especificidades encontradas. Como comentado não existe uma receita, existe sim a possibilidade de se entender a situação, conhecer os públicos, levantando suas expectativas e a partir daí, trabalhar em conjunto. Entendo ser a Igreja um ambiente onde há uma predisposição das pessoas em mudar, em compartilhar, tornando as iniciativas mais fáceis de serem trabalhadas. Acredito que as Igrejas são locais que mobilizam mais as pessoas no sentido de se construir um processo mais colaborativo para o desenvolvimento e crescimento do ser humano. Acredito ser este o maior desafio hoje, como tornar as organizações espaços mais interativos, que por meio do diálogo e das conversações, sejam ambientes mais humanizados.